Miopia Progressiva
Se for inteligente, não sabia. Ser ou não inteligente dependia da instabilidade dos outros. Às vezes o
que ele dizia despertava de repente nos adultos um olhar satisfeito e astuto.
Pois às vezes,
procurando imitar a si mesmo, dizia coisas que iriam certamente provocar de
novo o rápido movimento no tabuleiro de damas, pois era esta a impressão de
mecanismo automático que ele tinha dos membros de sua família: ao dizer alguma
coisa inteligente, cada adulto olharia rapidamente o outro, com um sorriso
claramente suprimido dos lábios, um sorriso apenas indicado com os olhos,
"como nós sorriríamos agora, se não fôssemos bons educadores"
Com os olhos
pestanejando de curiosidade, no começo de sua miopia, ele se indagava por que
uma vez conseguia mover a família, e outra vez não. Sua inteligência era
julgada pela falta de disciplina alheia?
Por estranho
que parecesse, foi exatamente por intermédio desse estado de permanente
incerteza e por intermédio da prematura aceitação de que a chave não está com
ninguém - foi através disso tudo que ele foi crescendo normalmente, e vivendo
em serena curiosidade. Paciente e curioso. Um pouco nervoso, diziam,
referindo-se ao tique dos óculos. Mas "nervoso" era o nome que a
família estava dando à instabilidade de julgamento da própria família. Uma vez ou outra, na sua extraordinária calma de
óculos, acontecia dentro dele algo brilhante e um pouco convulsivo como uma
inspiração.
Procurava
decidir se logo de entrada diria alguma coisa inteligente - o que resultaria
que durante o dia inteiro ele seria julgado como inteligente. Ter a possibilidade de escolher o que seria, e pela
primeira vez por um longo dia, fazia-o endireitar os óculos a cada instante terminou
descobrindo que até poderia arbitrariamente decidir ser por um dia inteiro um
palhaço, por exemplo. Ou que poderia passar esse dia de um modo bem triste, se
assim resolvesse
Outra coisa
que o ajudava era saber que nada do que ele fosse durante aquele dia iria
realmente alterá-lo.
Pois
prematuramente - tratava-se de criança precoce - era superior à instabilidade
alheia e à própria instabilidade.
A estabilidade,
já então, significava para ele um perigo
Outra coisa
que o preocupava de antemão era o que faria o dia inteiro na casa da prima,
além de comer e ser amado.
Ela queria do
menino de óculos que ela não fosse uma mulher sem filhos. Nesse dia, E foi como se a miopia passasse e ele visse
claramente o mundo. O relance mais profundo e simples que teve da espécie de
universo em que vivia e onde viveria. pois, ele conheceu uma das raras formas
de estabilidade: a estabilidade do desejo irrealizável.
Não um relance
de pensamento. Foi apenas como se ele tivesse tirado os óculos, e a miopia
mesmo é que o fizesse enxergar. Talvez tenha sido a partir de então que pegou
um hábito para o resto da vida: cada vez que a confusão aumentava e ele
enxergava pouco, tirava os óculos sob o pretexto de limpá-los e, sem óculos,
fitava o interlocutor com uma fixidez reverberada de cego.
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