20120315


                                                      Uma amizade sincera 
Não somos amigos de longa data. Mas desde o momento em que se conheceram estavam juntos a toda hora, tinham uma amizade que não podíamos mais guarda um pensamento que logo tinha que contar um ao outro, depois da conversa sentiam-se tão contentes que como se tivesse presenteado a si mesmo. Só que o assunto havia de ser grave pois em qualquer um não caberia a veemência de uma sinceridade pela primeira vez experimentada.
 Já nesse tempo apareceram os primeiros sinais de perturbação entre nós.As vezes um telefone ou um encontro em que nada tínhamos a dizer,a contar. No inicio em que começou a faltar assunto começamos a comentar de outras pessoas mais sabíamos que estávamos adulterando o nosso núcleo de amizade.
 A solidão na volta dos encontros, era grande, leiam livros para ter o que contar. Nossos encontros eram cada vez mais decepcionantes.
 Foi quando minha família se mudou para São Paulo, e ele ficaram morando sozinho no Piauí, foi quando convidei para morar conosco em nosso apartamento, que rebuliço de alma, arrumávamos tudo para uma ambiente perfeito para a amizade.
Tentamos organizar algumas farras no apartamento, mas não só os vizinhos reclamaram como não adiantou.
 O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos amigos. É verdade que houve uma pausa no curso das coisas, uma trégua que nos deu mais esperanças do que em realidade caberia. Foi quando meu amigo teve uma pequena questão com a Prefeitura. Não é que fosse grave, andei entusiasmado pelos escritórios dos conhecidos de minha família, arranjando pistolões para meu amigo. E quando começou a fase de selar papéis, corri por toda a cidade - posso dizer em consciência que não houve firma que se reconhecesse sem ser através de minha mão.
 Encerrada a questão com a Prefeitura, seja dito de passagem, com vitória nossa,continuamos um ao lado do outro, sem encontrar aquela palavra que cederia a alma.
 O pretexto de férias com minha família separamo-nos. Aliás, ele também ia ao Piauí. Um aperto de mão comovido foi o nosso adeus no aeroporto. Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros.

                                             Miopia Progressiva

Se for inteligente, não sabia. Ser ou não inteligente dependia da instabilidade dos outros. Às vezes o que ele dizia despertava de repente nos adultos um olhar satisfeito e astuto.
Pois às vezes, procurando imitar a si mesmo, dizia coisas que iriam certamente provocar de novo o rápido movimento no tabuleiro de damas, pois era esta a impressão de mecanismo automático que ele tinha dos membros de sua família: ao dizer alguma coisa inteligente, cada adulto olharia rapidamente o outro, com um sorriso claramente suprimido dos lábios, um sorriso apenas indicado com os olhos, "como nós sorriríamos agora, se não fôssemos bons educadores"

Com os olhos pestanejando de curiosidade, no começo de sua miopia, ele se indagava por que uma vez conseguia mover a família, e outra vez não. Sua inteligência era julgada pela falta de disciplina alheia?
Por estranho que parecesse, foi exatamente por intermédio desse estado de permanente incerteza e por intermédio da prematura aceitação de que a chave não está com ninguém - foi através disso tudo que ele foi crescendo normalmente, e vivendo em serena curiosidade. Paciente e curioso. Um pouco nervoso, diziam, referindo-se ao tique dos óculos. Mas "nervoso" era o nome que a família estava dando à instabilidade de julgamento da própria família. Uma vez ou outra, na sua extraordinária calma de óculos, acontecia dentro dele algo brilhante e um pouco convulsivo como uma inspiração.
Procurava decidir se logo de entrada diria alguma coisa inteligente - o que resultaria que durante o dia inteiro ele seria julgado como inteligente. Ter a possibilidade de escolher o que seria, e pela primeira vez por um longo dia, fazia-o endireitar os óculos a cada instante terminou descobrindo que até poderia arbitrariamente decidir ser por um dia inteiro um palhaço, por exemplo. Ou que poderia passar esse dia de um modo bem triste, se assim resolvesse
Outra coisa que o ajudava era saber que nada do que ele fosse durante aquele dia iria realmente alterá-lo.
Pois prematuramente - tratava-se de criança precoce - era superior à instabilidade alheia e à própria instabilidade.
A estabilidade, já então, significava para ele um perigo
Outra coisa que o preocupava de antemão era o que faria o dia inteiro na casa da prima, além de comer e ser amado.
Ela queria do menino de óculos que ela não fosse uma mulher sem filhos. Nesse dia, E foi como se a miopia passasse e ele visse claramente o mundo. O relance mais profundo e simples que teve da espécie de universo em que vivia e onde viveria. pois, ele conheceu uma das raras formas de estabilidade: a estabilidade do desejo irrealizável.
Não um relance de pensamento. Foi apenas como se ele tivesse tirado os óculos, e a miopia mesmo é que o fizesse enxergar. Talvez tenha sido a partir de então que pegou um hábito para o resto da vida: cada vez que a confusão aumentava e ele enxergava pouco, tirava os óculos sob o pretexto de limpá-los e, sem óculos, fitava o interlocutor com uma fixidez reverberada de cego.

                                                    Restos do carnaval
“Este último carnaval me transportou para minha infância, quando na quarta feira de cinzas encontrava nas ruas restos de serpentina e confete, e algumas beatas indo a igreja com um véu que cobria a sua cabeça. Esperava-se o próximo carnaval, e quando se aproximava a agitação íntima tomava conta, o mundo abria um botão, as ruas de Recife mostravam para que servia.
Na realidade, nunca tinha ido a um baile de carnaval infantil fantasiada. Porem me deixavam ficar até 11 horas da noite na porta do sobrado em que eu morava, vendo os outros se divertirem. Ganhava um lança-perfume e um saco de confete, mas com minha avareza economizava para durar 3 dias, e quase nada me deixava feliz.
Eu tinha medo das máscaras, mas tinha que superar, já que acreditava que o rosto humano também era uma espécie de máscara. Não me fantasiavam, pois com minha mãe doente ninguém tinha tempo para uma criança Minha imã enrolava os meus cabelos que eram lisos, e que pelo menos 3 dias por ano ficassem frisados.  Alem disso, me sentia uma mulher, pois minha irmã passava um batom bem forte e um pouco de ruge no meu rosto, me sentindo uma mulher
Passei por um carnaval diferente, a mãe de uma amiga minha resolveu fantasiar a sua filha, a fantasia se chamava Figurino Rosa, constituída de folhas de papel crepom, o qual representava pétalas de uma flor. Eu acompanhava a criação e mesmo não parecendo com pétalas, a fantasia era uma das mais bonitas que á vi.
Para minha sorte sobrou papel crepom, e a mãe da minha amiga viu minha cara que parecia de inveja e resolveu fazer uma fantasia para mim. Pela primeira vez em um carnaval eu teria algo que nunca tive: seria alguém que nunca fora.
Até os preparativos me deixavam entusiasmada, eu e minha amiga escolhíamos a roupa de baixo minuciosamente, pois se chovesse teríamos algo por baixo da fantasia.
Mas aquele carnaval por ironia do destino foi melancólico, desde cedo já estava me preparando enrolei o cabelo cedo, e os minutos pareciam  ao passar, até que chegou 3 horas e eu me vesti de Rosa.
Mina mãe de repente passou mal, e eu estava já vestida de Rosa, tive que ir até a farmácia pra comprar remédio, mas nessa situação a alegria dos outros me espantava.
Algumas horas depois quando tudo já estava mais calmo, percebi que como nos contos de fadas me desencantei e fui para a rua logo um menino de 11 anos, que parecia um homem jogou confete um mim, era uma mistura de alegria, sensualidade percebi que eu, uma mulherzinha de 8 anos tinha sido percebida por alguém, e eu era sim uma rosa. “
                                                       O grande passeio
Uma velhinha pobre andava pelas ruas. Era apelidada de Mocinha. Havia sido casada, tivera dois filhos: todos morreram e ela ficou sozinha.
Depois de dormir em vários lugares, Mocinha acabou não se sabia por que, passando a dormir sempre nos fundos de uma casa grande no bairro Botafogo. Cedo ela saía passeando. Na maior parte do tempo, a família que lá morava esquecia ela.
Certo dia, a família achou que Mocinha já estava lá por muito tempo. Resolveram levá-la para Petrópolis, entregá-la na casa de uma parente alemã. Um filho da casa, com a namorada e as duas irmãs, foi passar um fim-de-semana lá e levou Mocinha.
Na noite anterior, a velhinha não dormiu, ansiosa por causa do passeio e da mudança de vida. Como se fossem flashes descontínuos vinha a ela na cabeça pedaços de recordações de sua vida no Maranhão: a morte do filho Rafael atropelado por um bonde; a morte da filha Maria Rosa, de parto; o marido, contínuo de uma repartição, sempre em manga de camisa, ela não conseguia se lembrar do paletó... Só conseguiu dormir de tarde. Acordaram-na cedo e a colocaram no carro.
A viagem ocorreu para Mocinha entre cochilos e novos flashes de memória com cenas cortadas da vida passada. Foi deixada perto da casa do irmão do rapaz que dirigia, Arnaldo; indicaram-lhe o caminho e recomendaram que dissesse que não podia mais ficar na outra casa, que Arnaldo a recebesse, que ela poderia até tomar conta do filho.
A alemã que era mulher de Arnaldo estava dando comida ao filho; deixou Mocinha sentada sem lhe oferecer alimento, aguardando o marido. Este veio, confabulou com a mulher e disse a Mocinha que não poderia ficar com ela. Deu-lhe um pouco de dinheiro para que pegasse um trem e voltasse para a casa de Botafogo. Ela agradeceu e saiu pela rua. Parou para tomar um pouco de água num chafariz e continuou andando, sentindo um peso no estômago e alguns reflexos pelo corpo, como se fossem luzes. A estrada subia muito. “A estrada branca de sol se estendia sobre um abismo verde. Então, como estava cansada, a velha encostou a cabeça no tronco de árvore e morreu.”

20120311



FELICIDADE CLANDESTINA
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio
arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos
achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do
busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias
gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de
pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal
da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde
morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra
bordadíssima palavras como "data natalícia” e “saudade” .
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança,
chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que
éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres.
Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler,
eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorarlhe
emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma
tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com
ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses.
Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o
emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu
não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me
traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava
num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando
bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina,
e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas
em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a
andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife.
Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias
seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me
esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de
livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua
casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro
ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu
como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se
repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já
começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho.
Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer
esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às
vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio
de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a
olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e
silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a
aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a
nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco
elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar
entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com
enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você
nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia
ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a
potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à
porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se
refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora
mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser."
Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é
tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro
na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando
como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com
as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar
em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração
pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para
depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo
comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o,
abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela
coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina
para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia
orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo,
sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu
amante.